Comecei a ler e reler alguns livros durante as férias, e na noite em que se inaugurou chuva no meu sertão, A Mulher Desiludida me escolheu.
O livro foi escrito em 1967, por Simone de Beauvoir, ícone do feminismo e o livro para muitos é uma obra clássica do movimento. Não sei, não busquei saber as intenções dela ao escrever, queria me envolver com a obra a partir da literatura, sem os olhos da sociologia ou de qualquer política, primeiro porque não tenho cacife pra análise e segundo porque a literatura é, embora libertação, encantamento. Aqui estou para apreciar.
O livro traz a história de três mulheres maduras envoltas por solidão, tragédias pessoais, fracassos.
A primeira história, “A Idade da Discrição”, traz a história de uma escritora, casada, mãe de um único filho – Filipe, que resolve contrariar os pais quanto à decisão política e abre mão da defesa de sua tese em nome de uma promoção conseguida pelo sogro. O pai, complacente à escolha do filho, acha exagerada a rejeição da mãe, que o acusa de arrivismo e decide romper relações com ele, o que traz sofrimento aos dois, mas ainda assim ela segue, rígida. Em volta a tudo isso, ela vê críticas negativas à sua recente obra. Ela não consegue ser original e atribui o seu fracasso à idade.
Envelhecer tem se tornado um fardo. Uma das partes mais tocantes do texto, que me traz a refletir, é quando logo no inicio ela relata que a vida na academia, em liceus, a punha em contato com jovens alunos e isso a devolvia juventude, não custava para ela embeber-se dos sonhos e arroubos daqueles jovens. Mas ela percebia o envelhecimento do corpo e com isso algumas nulidades.
O segundo conto, “Monólogo”, traz a história de Murielle, que não consegue se livrar do sofrimento que a ronda depois do suicídio da filha. Envolta por ódio, ela questiona a Deus e enclausura corpo e alma.
O terceiro e último conto, o mais longo e angustiante também, “A Mulher Desiludida” ( Na versão original do livro – “A Mulher Destruída”), traz a história de Monique, uma mulher que abriu mão de sua carreira médica em nome da maternidade e do casamento com o também médico, Maurice. As duas filhas, Colette e Lucienne, já não moram mais com eles. A regularidade da rotina jamais a fez desconfiar da fidelidade do marido, com quem tinha momentos de lazer e prazer incríveis, uma vida regada a música, cinema e viagens. De repente, Monique foi surpreendida pela confissão do marido sobre a amante, Noellie, uma advogada bem sucedida e ascendente, o que a faz acusar o marido de arrivista, vaidoso e ambicioso, adjetivos que nunca fizeram parte da relação do casal.
Seu dia-a-dia está aqui escrito em diário, a linearidade do enredo nos aproxima do relato e sofrimento dela. Depois da descoberta ela desaba, e definha aos poucos. A decisão de não por um fim, tem de um lado a esperança de que ele volte a olhá-la e amá-la como antes, enquanto ela segue boicotando o fim, trazendo para ela a responsabilidade, ela não percebe que está mesmo é mergulhada em autocomiseração, ou até auto-sabotagem. Ela não vê a vida por outra perspectiva que não a do casamento. A vida dela é anulada em função da perseguição à vida dupla do marido. É uma autoflagelação que a conduz a perda de peso, hemorragias, depressão. Quando ele, Maurice, decide por um fim, depois de acusá-la terrivelmente pela situação – coisa que nós já vimos na vida real – ela é levada a passar dias com a filha em Nova Iorque. Quando volta, sabe que ele não mais está ali, há tempos não estava. Um medo gigante a ronda e ela segue sem força de recomeçar.
Apesar de toda literatura vemos pinceladas as ideias feministas, assim como críticas ao sistema capitalista. Um livro necessário.