“Elas repartem os homens, brigam com eles e brigam por causa deles também.”
“Nenhuma mulher deveria viver desse jeito.”
“Não. Nenhuma mulher devia precisar disso.”
A escravatura nos Estados Unidos acabou no ano de 1863, com a Proclamação de Emancipação de Abraham Lincoln, mas ainda havia uma clara distinção entre negros e brancos muitos anos depois. No início do século XX, muitos negros saíram do sul do país em busca de uma melhor qualidade de vida em Nova York. Entre eles, temos os personagens centrais de Jazz, romance norte-americano.
Chloe Ardelia Wofford ou Toni Morrison, como é conhecida no meio literário, nasceu em fevereiro de 1931 em Ohio, Estados Unidos. Autora de 11 romances, contos, livros infantis e outras obras, venceu o Pulitzer Prize e o American Book Awards pelo livro Amada, em 1988, o primeiro romance de uma trilogia que inclui Jazz, publicado em 1992, e Paraíso, de 1997. Amada foi escolhido pelo New York Times como “a melhor obra da ficção americana dos últimos 25 anos”. Em 1993, Morrison recebeu o Prêmio Nobel de Literatura (foi a primeira autora negra a receber o Nobel).
Jazz se passa na década de 20 no Harlem e se inicia quando Joe Trace, um vendedor de produtos de beleza a domicílio, mata com um tiro sua amante de 18 anos, Dorcas. Violet, esposa de Joe, invade o velório e tenta mutilar com uma faca o rosto da jovem. Partindo desta tragédia, uma narradora não identificada discorre sobre a vida de cada personagem envolvido, bem como se volta para o sul dos Estados Unidos no século XIX.
Sua obra se concentra em histórias de mulheres negras e trata de temas diretamente relacionados com o papel da mulher na sociedade, por isso críticos de literatura atribuem ao seu trabalho elementos do feminismo pós-moderno.
“Nunca tinha visto um livro no qual uma mulher pobre e negra fosse o centro da história, só via personagens como estas na periferia da história, nunca no centro. Tentei mudar isso”, comenta a autora.
Um dos focos principais de Jazz é a estranha amizade que nasce entre Violet e Alice Manfred, tia de Dorcas. Violet quer saber mais sobre Dorcas e acaba se aproximando de Alice, que aos poucos abre espaço para ela em sua vida.
Violet está abalada pelos acontecimentos e se culpa pelo fato de ter sido traída. Toni Morrison explora esse clichê, que infelizmente é comum até nos dias de hoje — se o homem trai é porque a esposa estava “em falta”. A culpa também é da amante, que seduziu um homem casado. O real culpado nunca sofre consequências, e no caso de Joe, sequer é preso por ter cometido assassinato.
A narradora do livro é a grande incógnita. Ela conhece bem todos os personagens e suas histórias, mas em momento algum sabemos quem ela é, e também não podemos confiar inteiramente no que ela diz. São suas opiniões, não fatos comprovados.
A escrita de Morrison em Jazz é poética e bastante descritiva. O ritmo da leitura chega se tornar lento e um pouco confuso, pois a narrativa não é linear. Diversas histórias se misturam, o enredo vai do presente para o passado em poucas páginas, e é necessário o comprometimento do leitor.
A “Era do Jazz” se estende do fim da Primeira Guerra Mundial até o início da Depressão em 1929. Até o ano de 1933, era proibida a venda de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos, então foram criados locais para a venda ilegal. Nesses lugares, o jazz era difundido e ele serve como plano de fundo para os acontecimentos narrados no livro.
Um fato curioso é que a personagem de Dorcas foi inspirada em uma fotografia que autora viu no livro The Harlem Book of the Dead, de James Van Der Zee.
Jazz é um bom livro, que retrata um período conturbado nos Estados Unidos, pós- guerra e prestes a passar pela pior crise financeira já vivida. Os negros são segregados na sociedade e marginalizados — Morrison descreve fatos isolados, mas que correspondem a uma maioria. Um livro para ser lido com a música de Duke Ellington ao fundo.
Texto originalmente publicado no site Confeitaria em 2015.