Prata da casa: Déa Paulino

Por: Leia Mulheres | Em: 24 / março / 2017
Começamos hoje no site a série “Prata da Casa”, em que convidamos algumas de nossas mediadoras que também são escritoras para comentarem um pouco sobre seus trabalhos.
Déa Paulino é mediadora do Leia Mulheres em Itapetininga – SP e nos conta  sua experiência como autora e sua temporada de residência poética na Casa do Sol, que aconteceu no fim do ano passado. A partir do dia 27 de março, ela ficará mais uma temporada na casa de Hilda Hilst e publicaremos por aqui os diários desta segunda estadia!
Você lembra quando você começou a escrever poesia?

não lembro, mas tenho um poema que escrevi aos 5 anos e minha avó guardou. aprendi a escrever aos três anos e felizmente nunca fui tratada de modo especial por isso. minha família sempre fabulou e jogou com as palavras (tive o privilégio de crescer entre bons leitores que tinham o hábito de escrever), escrever era uma brincadeira para mim.

O que te motiva a escrever?

as motivações estão sempre se transformando. lembro que quando publiquei nas primeiras antologias meu pai saía com os livros e mostrava para todo mundo. então, dar esse orgulho para o meu pai era minha motivação.

como tenho buscado integrar meu trabalho de dança com a poesia (sou dançarina e atualmente participo de um grupo de pesquisa conduzido pela coreógrafa Miriam Dascal), tenho pensado muito nessa relação. a dança é instante, é vento; e a escrita, ainda que seja movimento, é, de alguma maneira, pedra. penso que escrever seja um jeito, ou o desejo, de ficar.

Como é o seu processo de escrita? O que te faz querer escrever?

eu costumo caminhar muito e construo frases o tempo todo. às vezes escrevo a partir de uma imagem (como aconteceu ontem, que levei um soco de beleza de um céu absolutamente azul trazeirando as copas das árvores), de uma palavra, de um gesto ou de um conceito. também escrevo a partir de rascunhos, quase sempre escritos à mão, nos quais encontro pensamentos semi-perdidos; mas também gosto de me condicionar, sentar em um lugar e escrever porque “agora vai”. tenho datilografado meus poemas e burilado as palavras usando caneta ou lápis. além de gostar do processo, gosto do resultado estético do mapa do raciocínio que desemboca no resultado quase-final.

Onde você já publicou?

em livros, nas antologias Novos Talentos da Crônica Brasileira 4, Antologia de Contos de Autores Contemporâneos, Encontros e Desencontros – Contos Selecionados, publicadas pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores; Palavras Que Falam e Elo de Palavras, pela Scortecci Editora; e Poesia Sem Gavetas, pela Pastelaria Studios, que é portuguesa e publicou meus poemas em Portugal. escrevi para revistas digitais, como a Plume Magazine, da qual fui colunista, a Novitas e a Parênteses (que é mais recente e pode ser lida aqui). sou coautora do artigo Mulheres Que Desaparecem, no qual trabalhei com a Maira e com a Flavia, e registra o germinar de questões que são especiais para mim. (pode ser lido aqui)

Você já participou de coletâneas de poesia com outros autores. Como é seu processo de escolha para enviar um de seus poemas para publicação?

alguns poemas e prosas foram escritos exclusivamente para determinadas publicações, mas quase sempre seleciono – para cumprir os prazos – entre alguns poemas ou rascunhos que considero mais ou menos acertados e por isso vivem em uma pasta à parte.

Conte sobre sua residência na casa do Sol da Hilda Hilst.

fui pensando que era uma coisa, que seria uma coisa, e não foi nada do que planejei. levei meus poemas datiloscritos acreditando que sairia de lá com o livro pronto, mas assim que cheguei descobri que estava enganada. a residência é orgânica, por isso imprevisível. a vivência acabou sendo cinco dias mais extensa e muito mais enriquecedora do que eu poderia prever. a Olga, que é artista plástica, foi amiga da Hilda e é o sol da casa, é uma mulher culta e interessantíssima. é uma delícia ouvi-la contando as histórias de todos os muitos artistas que admiramos e que passaram por lá. foi emocionante ler o que eu escrevia e ser aprovada por ela.

na Casa do Sol fala-se de arte e do mundo, dos problemas e belezas da humanidade e do mundo, o tempo inteiro. das fugas dos cachorros às tardes e noites sob a figueira, passando pela catarse no banho de chuva e o som das quedas das mangas (a fruta!), para mim, tudo foi experiência poética. além da biblioteca repleta de livros lidos e anotados pela Hilda, há livros por toda a casa e leituras frequentes durante os cafés e refeições, à mesa da cozinha. é impossível imergir nesse universo e permanecer a mesma.

descobri na Casa do Sol que precisava admitir o entre e vasculhar o mistério. e, porque o inominável é sem fim, eu vou voltar.

Você já tem um plano para próximas publicações?

pretendo organizar meu primeiro livro com os mais de dez anos de poesia. não tenho pressa, mas sinto que preciso materializar o objeto para me ver melhor.