O vento que arrasa

Por: Juliana Gomes | Em: 2 / março / 2017

“A religião, ele achava, era uma maneira de se livrar das responsabilidades de cada um. Escudar-se em Deus, ficar esperando que alguém salve a pátria, pôr a culpa no diabo pelas coisas ruins que qualquer um era bem capaz de fazer.” (p. 61)

É norte da Argentina, em Chaco. Um reverendo e sua filha em peregrinação param na estrada e percebem que o carro simplesmente não funciona mais. Aguardam por horas, até que um homem para e os leva até a oficina de Gringo – o único mecânico da região. Terão de esperar até o outro dia para os reparos serem feitos. No lugar, há apenas o mecânico, seu escudeiro (e talvez filho) Tapioca, além dos inúmeros cachorros que permeiam a história.

Há um ar constante de desaprovação de Leny, filha do Reverendo Brauer, a seu pai. Talvez isso aconteça porque sua mãe deixou a família por causa da busca insana e propagação da fé pelo Reverendo. Ou sua mãe apenas queria simplesmente ter uma vida “normal”.

Tapioca é o garoto ingênuo deixado por sua mãe com o suposto pai, Gringo, para que ele tivesse uma vida melhor ou ao menos uma criação melhor. Essa reunião de personagens parece tão diferente, mas todos possuem lacunas em suas vidas. E enquanto Leny culpa o pai por esses males, Tapioca parece mais interessado em ser apenas grato, mas sabe que não ficará junto dos cães e de Gringo por muito tempo.

“Quando deixaram o Tapioca por aqui, ele parecia um filhotinho de cachorro. Eu criei essa cachorrada todas desde que eram filhotes, é só dar um pouco de comida e carinho que no outro dia já estão todos fazendo festa. Com o Tapioca, não. O Tapioca era feito um filhote de bicho do mato, um gatinho selvagem: arisco e desconfiado. Levei meses até ganhar a confiança e o carinho dele. Conheço-o feito a palma da minha mão. E acredite em mim, ele não precisa de nenhum Jesus Cristo. Não precisa de nenhum fulano de fora, feito o senhor, que venha para cima dele com esse palavreado meloso de fim do mundo e toda essa besteira.” (p. 71)

Talvez por essa fala eu tenha simpatizado tanto com Gringo, não pela comparação da criação do garoto a dos cães, mas por deixar claro de que as buscas de cada um nem sempre passam por questões religiosas. Talvez a pessoa que até ontem não sabia o que era Deus era feliz e alguns sacerdotes apenas embutem a necessidade da fé como primordial para felicidade. Já o Reverendo Brauer enfrenta seus próprios demônios e luta com unhas e dentes para se desprender do passado e de como se tornou religioso.

A mudança de narradores dá agilidade ao enredo, mas ao mesmo tempo não é um livro que eu tenha lido de maneira voraz, talvez pela expectativa criada em torno do nome da autora. É um livro que vale pelo final, quase apoteótico. Não sei se intencionalmente, mas a novela tem um ritmo cinematográfico como os livros de Alejandro Zambra. Talvez não tenha sido escrito com essa intenção, mas acredito que pareça mais um roteiro.

As comparações com Flannery O’Connor são inevitáveis, pois as histórias da autora também se passam no interior e pela linguagem característica. Mas, ao contrário da autora americana, Selva Almada pouco desenvolve seus personagens ou a ação em si. A brevidade do romance o deixa mais com cara de novela. Uma boa novela, nada além.

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