O jogo das andorinhas – morrer, partir e retornar

Por: Juliana Leuenroth | Em: 21 / março / 2017

À primeira vista, O jogo das andorinhas – morrer, partir e retornar pode parecer estranhamente familiar. O traço lembra um pouco o de outra HQ mais famosa, Persépolis da franco-iraniana Marjane Satrapi. Talvez a temática tenha alguns pontos em comum: a guerra sempre tão igual em sua violência, mas também tão diferente… Mas ao começarmos a leitura do livro da libanesa Zeina Abirached, já começamos a perceber que as semelhanças param por aí.

A história que Zeina nos conta neste quadrinho de 190 páginas se passa numa tarde de sua infância, no início dos anos 1980, em plena Guerra Civil Libanesa. Ela, então com quatro anos, e seu irmão mais novo estão sozinhos em casa quando o bombardeio diário começa. Os pais das crianças estão na casa da avó, a poucos quarteirões dali, mas impossibilitados de voltar tão cedo. A cidade está totalmente sitiada, com atiradores e barricadas por todos os lados.

Mas o que poderia ser uma história de solidão e medo, toma rumos inesperados. O que vemos é um desfile de personagens fascinantes e complexos: seus vizinhos. O apartamento da família de Zeina é o mais seguro do prédio, estrategicamente posicionado fora da linha de fogo. Porém o apartamento todo não é seguro, apenas o hall de entrada, um pequeno quadrado de concreto, onde toda a família tem que conviver e que se transforma num microcosmo em dias de bombardeio e troca de tiros.

É neste pequeno espaço que a família também deposita todos os seus pertences. Tudo em frente a um painel que representava a fuga do Egito, com Moisés e os hebreus, a única lembrança que a família tinha do avô paterno. O painel também funciona quase como um quadrinho dentro do quadrinho, e as relações entre real e imagem são inevitáveis.

Por ser o único local seguro do prédio, os vizinhos sempre buscavam abrigo neste pequeno espaço. E nesta tarde não foi diferente. Cada personagem ali tem uma história: Anhala é uma senhora que há gerações vem cuidando da família de Farrah, que agora vive grávida com o marido; há também o excêntrico Ernest Challita, que conhecia de cor passagens de Cyrano de Bergerac; entre outros.

Em apenas uma tarde, durante o momento de tensão do bombardeio, vemos esse desfile de personagens tão interessantes, compartilhando momentos e aspectos de suas vidas antes da guerra. O sentimento de união entre aquela comunidade se faz presente enquanto Zeina e seu irmão aguardam o regresso dos pais. Há uma certa leveza e pitadas de humor durante essas pequenas narrativas, que contrastam com a perplexidade da situação em que eles estão imersos.

Ainda que a narradora esteja rememorando um episódio, temos poucas interferências dela no presente. Vemos os acontecimentos a partir de uma criança que desde muito cedo convive com uma realidade violenta e cheia de privações. Ainda assim, é uma visão inocente, que se mostra surpresa e incrédula com a situação dos pais, ainda que esteja se divertindo com a reunião dos vizinhos. O lúdico se mescla ao absurdo da situação.

A comparação com o trabalho de Marjane Satrapi é inevitável, ambas tratam da vida durante a guerra e seus traços são bem parecidos, mas com um olhar mais apurado, podemos perceber que o trabalho de Zeina Abirached possui maior uso da cor preta, talvez para passar a sensação de confinamento dos personagens. A autora dá muita atenção aos detalhes, há mais elementos nos cenários e a ambientação do claustrofóbico da situação se dá por isso também. Há também algumas tentativas gráficas de nos localizar na história, com diagramas, mapas e esquemas da vizinhança e da casa. Elementos que tornam essa HQ uma pequena pérola.

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