A Inquilina de Wildfell Hall

Por: Mari Castro | Em: 27 / setembro / 2016

Segundo romance da caçula das três irmãs Brontë, “A Inquilina de Wildfell Hall”, é seu romance menos conhecido (o mais famoso é Agnes Grey). Publicada em junho de 1848 sob o pseudônimo de Acton Bell, a obra nos conta a história de Helen Graham uma reclusa viúva que se muda para Wildfell Hall e passa a intrigar o vilarejo. O romance em formato epistolar é narrado por Gilbert Markham que conta a um amigo sobre a vida em sua família, no vilarejo e sua curiosidade a respeito da instigante vizinha.

Helen vive sozinha com seu filho e uma ama idosa e sustenta a família com a venda de suas pinturas. E além da estranheza que causa por ser uma mulher vivendo sozinha, Helen ainda tem hábitos antissociais, uma maneira peculiar de educar o seu filho e alguns mistérios que envolvem seu passado.

Em um determinado momento a narrativa troca de mãos e passamos a conhecer mais sobre os segredos desta mulher aparentemente impenetrável. Então o livro passa a ser escrito em formato de diário, e não que em formato epistolar a escrita não fosse boa, mas em formato de diário ela melhora sensivelmente. A partir de então o livro fica ainda mais interessante e a trama mais deleitável. Se torna impossível largar, eu não tive vontade de ler nada mais até terminar.

Além da característica envolvente da trama, “A Inquilina de Wildfell Hall” ainda é notável pelas críticas à sociedade machista da época. As denúncias que a obra traz, em plena metade do século XIX, enquanto as mulheres ainda eram propriedades masculinas na Inglaterra, são muito corajosas. Nota-se pelo prefácio à segunda edição escrito por Brontë – porém assinado como Acton Bell – em que ela rebate algumas apostas com relação à “sua identidade”:

Assim, pouco importa, penso eu, se o escritor indicado seja homem ou mulher, como dois dos meus críticos professam ter descoberto. Assumo, em boa parte, a responsabilidade por tal imputação e considero um elogio à justa delineação dos meus personagens femininos; e embora esteja inclinado a atribuir muito da severidade dos meus censores a essa suspeita, não me esforço em refutá-la porque, no meu entendimento, estou convencido de que se um livro é bom, não importa o sexo do seu autor. Todos os romances são, ou deveriam ser, escritos para que tanto homens quanto mulheres o leiam; e eu não saberia o que dizer ao tentar conceber como um homem se permitiria escrever algo que pudesse ser realmente ofensivo para uma mulher ou por que uma mulher devesse ser censurada por escrever algo que fosse próprio e adequado para um homem.”

Este é o tom de Anne Brontë tanto no prefácio quanto ao longo do livro. É possível perceber algumas críticas quanto à forma com a qual as mulheres deveriam se sujeitar aos caprichos e vontades masculinos e quanto a algumas futilidades e provincianismos da sociedade. As personagens femininas, em sua maioria, são complexas e mesmo que algumas sejam menos conscientes de suas próprias vidas e importância, elas não deixam de ser profundas. Enquanto quase a totalidade dos personagens masculinos é mimada, voluntariosa e um tanto rasa.

A sociedade, por sinal, é uma personagem à parte desta obra. Além dos personagens secundários que são bem desenhados pela autora, ainda há uma composição dos hábitos e comportamentos da época que fornecem um retrato interessante. O formato descritivo característico da época proporciona uma imagem bastante verossímil sem, entretanto, entediar o leitor. Mais ao final do livro ela ainda coloca o leitor a par do destino de alguns personagens secundários que não serão mais contemplados na narrativa.

Os personagens principais são bem construídos e, apesar da aparente fragilidade e tranquilidade da personagem principal, ela vai, aos poucos, revelando uma força surpreendente. Helen Graham possui uma dualidade muito interessante, uma vez que o sentimento de culpa característico da sociedade cristã (do qual ainda não somos livres – principalmente as mulheres – mas que atualmente se moldou em maiores sutilezas) muitas vezes determina suas atitudes, ela possui a percepção concomitante de que algumas conjunturas não são consequências de seus atos, como poderia se esperar dela. Ela tem muito discernimento com relação à forma como acredita ser a correta em agir.

A religião está muito presente na obra. Há diversas citações e referências bíblicas ao longo da narrativa feitas pelos personagens e a moral é um objeto claro da autora. E sim, e há uma lição na história. Bem como algumas reflexões sobre princípios, sobre a morte e a insignificância humana perante a vontade de Deus. Estas reflexões e referências não me incomodaram, pude perceber nelas uma forte característica dos costumes desta sociedade.

A edição da Pedrazul é de 2015 e conta com a cuidadosa tradução de Michelle Gimenes. Conversaremos sobre “A inquilina de Wildfell Hall” no Leia Mulheres de Belo Horizonte no dia 28 de setembro de 2016.

Erro › WordPress

O site está passando por dificuldades técnicas.