Dias de abandono

Por: Michelle Henriques | Em: 31 / agosto / 2016

Li “A Amiga Genial”, da Elena Ferrante, e o livro não me convenceu de cara, demorei algumas páginas até que engrenasse. Finalizei a leitura sem entender muito bem o hype criado em cima do livro e da escritora. Após alguns dias me sentei para escrever sobre ele e aos poucos fui percebendo que o enredo não havia saído da minha cabeça, que Lila e Lenu estavam fixas na minha mente. Assim, comecei a leitura de “História do Novo Sobrenome” (segundo volume da quadrilogia Napolitana) já preparada.

Elena Ferrante não mostra seu rosto, não dá entrevistas, não comparece a eventos literários. Na Europa e nos Estados Unidos ela já faz muito sucesso, mas foi só ano passado que ela chegou ao Brasil com “A Amiga Genial”. Quase que simultaneamente foram lançados o segundo volume da quadrilogia e “Dias de Abandono”, um romance único, que trata de uma mulher que foi deixada por seu marido.

Enredo clichê, não é mesmo? Recentemente li um artigo a respeito das capas propositalmente feias de seus livros, escolhidos pela própria Elena e acho que isso muito se relaciona com o enredo de “Dias de Abandono”. Mario vai embora de casa, deixa Olga cuidando sozinha do apartamento, de dois filhos e um cachorro. Olga abandonou sua carreira para se dedicar a cuidar do marido e de repente se vê sozinha, sem um papel para desempenhar.

Ferrante descreveu a situação de muitas mulheres por aí, aquelas que cuidam tanto dos outros e no fim não sabem como cuidar de si mesmas. E esse processo desencadeia uma corrente de sentimentos desconhecidos, no caso de Olga começa com uma raiva descontrolada e culmina numa disassociação da realidade.

Em determinado momento do livro, o filho mais velho e o cachorro caem doentes. Estão todos trancados em casa por um problema na fechadura, o telefone não funciona, os vizinhos estão todos fora. O clima de tensão que a autora criou nessa passagem me remeteu à ángustia do filme “Repulsa ao Sexo”. Uma mulher fragilizada, machucada e precisando lidar com uma série de problemas.

Mario é o homem clichê também. Ele a deixa por uma mulher bem mais nova, e após a separação ela começa a perceber que ele não é a pessoa maravilhosa que ela achava, ou tinha se forçado a achar. Olga também é um clichê, a mulher histérica e abandonada.

Aí entra o grande trunfo de Elena Ferrante, assim como na Quadrilogia, neste romance ela aborda o assunto mais banal do mundo, mas de forma fria e muito bem narrada, expondo a crueldade que é imposta à mulher. Um homem que é abandonado é visto como um coitado, a mulher que não lhe deu valor. Mas no caso da mulher a culpa será sempre dela, ela que não soube cuidar do marido.

Um amigo uma vez me disse que a natureza é hostil com a fêmea. Completo dizendo que a vida é cruel com a mulher.