Eu poderia começar esta resenha com inúmeros clichês sobre a trama do livro “Do que é feita uma garota”, mas como vocês perceberam comecei com a playlist de algumas músicas que compõe a trilha desse romance de formação nada convencional.
O cenário é Wolverhampton, uma cidadezinha no condado de West Midlands. É tempo do governo Thatcher e o Reino Unido está com sérios problemas financeiros, aqueles que se valem dos benefícios do Estado passam ainda mais perrengue, como é o caso da família de Johanna. Ela tem mais quatro irmãos, entre eles Krissi, um garoto na adolescência com uma série de dúvidas sobre sua sexualidade; e Lupin, seu irmão do meio e os gêmeos. A mãe está com depressão pós-parto dos gêmeos e o pai dessa trupe é um músico fracasssado cheio de histórias, das quais nunca saberemos o quanto de verdade contém, nem mesmo nas reuniões de família em que a primeira ministra Margaret Thatcher era alvo das maiores críticas.
Desde o início da trama a autora, Caitlin Moran, coloca em cheque questões importantes na adolescência como masturbação, virgindade, faculdade, relacionamentos, política e principalmente o quanto isso em uma garota gorda pode pesar.
Com o passar da trama, inclusive a mãe é colocada em cheque por engravidar de um homem que se utiliza dos mais variados artifícios para conseguir os benefícios do governo sendo que realmente tem problemas mas precisa exagerar e chegar no limite da humilhação para conseguir o benefício [aqui também não é muito diferente].
A Série My mad fat diary traz esses temas a tona mas de uma forma com mais detalhes, inclusive dos amigos da protagonista, escrito em primeira pessoa “Do que é feita é um garota” é mais direto do que a série citada acima apesar de situarem a história na década de 90 e com o mesmo mote, as revelações são opostas.
Ao contrário da protagonista da série que precisou ficar sozinha para se encontrar e se perceber uma mulher sensual ao invés de apenas sexual, Johanna descobriu que seu corpo mais robusto e suas curvas avantajadas tinham mais a ajudá la do que o contrário.
Com a música dos anos 90 ao fundo e os jornalistas musicais da época como John Peel surge o alter ego cool de Johanna – Dolly Wilder, a jornalista especializada em música.
Dolly é moderna, culta e descolada. O oposto da tímida Johanna mas esse é o contraponto neste romance de formação que faz com que a protagonista aprenda a lidar com a família e principalmente com ela mesma. Assim como Johanna, a música foi o fator libertador na minha adolescência, uma garota gorda que curtia festas e músicas alternativas e não precisou mudar, foi aceita por esse grupo.
Recheado de referências de seriados, filmes e livros como A Gata e o Rato, Noviça Rebelde, De volta para o futuro, Shakespeare, Mulherezinhas, C.S. Lewis, Senhor dos aneis, Graham Green e muito mais. Por isso, esse é um livro para ter inúmeras marcações e pesquisas para irmos além. Inclusive sobre a música, a sequência das músicas segue o crescimento da personagem.
Um livro sobre escolhas, amor próprio e o poder da mulher – mesmo que ainda sendo adolescente! E o príncipe encantado não existe e não há problema algum nisso.
“Nós somos o futuro. Nós é que fornecemos energia para a cultura popular – do mesmo jeito que, antes, fornecemos a energia para a Revolução Industrial. O passado é deles, o futuro é meu. Eles são todos anacrônicos.” Do que é feita uma garota