Há cerca de seis anos, quando ainda trabalhava na Livraria da Vila me senti atraída por um título: “The Gathering”, de Anne Enright, mas tive receio de ler no original e li apenas as primeiras páginas. Em 2007, a autora foi ganhadora do Man Booker Prize por causa desta obra e logo a mesma foi traduzida para o português, com o título “O Encontro”.
Três meses depois de conhecer o livro, comecei a leitura da tradução. Eu me encantei pela escrita e muito mais do que pelo enredo da história. Anne me apresenta ao “esquecível”, termo que ela utiliza para designar seus personagens, em especial a mãe, uma mulher que é facilmente esquecida, mas que também se esquece dos outros, até dos filhos.
Esse é um livro sobre uma família irlandesa com personagens esquecíveis propositalmente ou não. As ações parecem pensadas para que mesmo em questões graves elas pareçam menores e a sensação de deja vú é uma constante na história.
A morte do irmão mais novo, Liam, e tudo que engloba essa morte, serve de pano de fundo para uma depressão deflorada e a relação de uma família que já não se vê mais como tal. O livro é narrado em primeiria pessoa pela Verônica.
Não há bondade ou redenção para os personagens, mas a compaixão é a mola propulsora para seguir em frente, como é o caso de Veronica, irmã mais velha e mais próxima de Liam. Compaixão por si mesma em muitas situações pode irritar o leitor ou fazê-lo achar que a personagem é pretensiosa. E quantas vezes isso não acontece na vida real? Quantas vezes suposta pretensão e esnobismo não são formas de autoafirmação para inseguros?
Vejo Veronica como o pilar da insegurança dessa família numerosa e ela culpa a mãe por suas frustrações e por suas atitudes em relação aos irmãos e filhas. Uma mãe relapsa que esquece os nomes dos filhos era o que ela mais odiava e ela acaba fazendo o mesmo com suas filhas, sempre as silenciando. As filhas se tornam distrações e troféus como no trecho a seguir: “Se não conversar com elas acho que vou morrer de alguma coisa – que se pode chamar de irrelevância -, acho que vou simplesmente apagar.”
Não é um livro fácil. Essa é minha segunda leitura e ela me fez me ser mais humana e ver os personagens dessa forma. A loucura de Anne e esse contexto familiar, que pode ter causado desde muito cedo tudo isso, são apenas o resultado dessa família destruída, talvez não apenas pela pessoa esquecível que é a mãe, mas como todos se esqueceram de como amar e entender o outro.
A tradução é truncada e você precisa lutar com o livro para seguir em frente e descobrir os segredos que envolvem essa família. Quem assistiu a série Bloodline encontrará semelhanças, você sabe o final e o que aconteceu, mas o porquê e as causas são incógnitas. A morte de Liam é citada logo no começo do livro, mas aos poucos os porquês vão se relevando.
Esse livro foi discutido no mês de junho no clube #leiamulheres em São Paulo, que acontece mensalmente na Blooks.