Publicado há 30 anos, The Handsmaid’s Tale, foi um dos livros que me fez pensar seriamente sobre ler mais livros escritos por mulheres. Cheguei a este livro por causa de um tweet da poeta Angélica Freitas recomendando a autora e como Um útero é do tamanho de um punho me impactou pelas diferentes abordagens da vivência feminina, lá fui eu atrás da Atwood e comecei por esse romance.
O conto da aia é uma distopia, como 1984 e Admirável mundo novo. No entanto, em tempos de avanços de pautas conservadoras e bancadas religiosas, o livro traz alguns aspectos ainda mais aterrorizantes. Num futuro em que o país que conhecemos como os Estados Unidos foi controlado por um golpe militar, as disputas pelo poder provocaram uma catástrofe ambiental e o totalitarismo e o fundamentalismo religioso se confundiram, criando um rígido sistema social, nos vemos diante de um cenário verossímil e desolador.
Com a contaminação do solo e das águas, a fertilidade humana começa a decair e as mulheres, que inicialmente perdem seus empregos e o direito à propriedade, tornam-se parte essencial para a manutenção do sistema. As aias – mulheres em idade fértil ou que já deram à luz em algum momento de suas vidas – são treinadas para engravidar, parir, amamentar seus bebês por algum tempo e entre entregá-los aos Comandantes e suas esposas. Os partos são extremamente ritualizados, com verdadeiras catarses que provocam um sentimento de união entre as Aias e Esposas que duram apenas alguns momentos até os bebês serem entregues.
O livro é narrado por Offred, uma mulher que foi obrigada a se tornar uma Aia. Ela descreve a estranha dinâmica da sociedade de Gilead e oscila entre registrar ou não as lembranças de sua vida antes das mudanças no governo. As Aias vestem hábitos vermelhos semelhantes às roupas de freiras e só podem circular pelas ruas em duplas. As Martas, que não podem mais gerar bebês, se dedicam aos trabalhos domésticos. As Tias são responsáveis por educar as aias para que elas ajam com modéstia e se concentrem apenas em engravidar, sem representar uma ameaça às esposas mais velhas e estéreis.
Offred está chegando à casa de um Comandante e procura descobrir outras pessoas que fazem críticas ao sistema, com quem possa trocar informações e obter algumas notícias sobre sua antiga família ou sua melhor amiga Moira. Aos poucos ela descobre os segredos e a estranha dinâmica estabelecida entre o Comandante, a Esposa, o motorista e as Martas.
O conto da aia é assustador por mostrar como direitos duramente conquistados podem ser ameaçados pelo uso da força e por expor como a religião pode servir de justificativa para garantir os privilégios de uns e a miséria de outros. Embora o livro deixe claro o quanto o governo em Gilead oprime em especial as mulheres, Atwood foge do maniqueísmo e mostra que os beneficiados pelo regime também encontram restrições e buscam formas de driblar a rigidez do sistema.
Em um texto para o Guardian a escritora revê seu diário enquanto escrevia o romance e fala sobre o impacto do livro quase 30 anos após sua publicação. Nesta reflexão, ela parece encontrar o motivo de sua distopia ser tão perturbadora. “Criei uma regra para mim: não queria usar alguma coisa que os seres humanos já não tivessem feito em algum lugar ou tempo, ou para os quais a tecnologia ainda não tenha sido inventada”.
Mais do que um livro sobre a redução da mulher ao seu papel reprodutivo, O conto da aia provoca questões sobre a família, os afetos, o desejo, o sexo e a falta de controle sobre o próprio corpo. Diante do horror de um sistema totalitário, religioso e violento, Atwood nos deixa uma mensagem sobre a desobediência e a resistência, ainda que nos pequenos atos cotidianos. Assim como grandes distopias escritas durante o século XX, O conto da aia é um livro incômodo, mas que nos deixa alertas para que o horror de suas páginas fique restrito aos domínios da ficção.