Histórias Híbridas de uma Senhora de Respeito

Por: Michelle Henriques | Em: 22 / julho / 2015

“Compreendi que mulher não é obra da natureza e sim uma paciente, laboriosa – e maliciosa – construção da cultura.” (pág. 117)
Assim como muitas pessoas, eu conheci Carmen da Silva por causa da Clara Averbuck. Ela sempre falava sobre a escritora nas redes sociais e isso despertou muito a minha curiosidade. Após uma rápida pesquisa, soube que há muito tempo a obra de Carmen não era publicada no Brasil, apesar da mesma ser considerada uma das percursoras do feminismo no Brasil.

Carmen da Silva nasceu em Rio Grande em 31 de dezembro de 1919. Nos anos 40 morou no Uruguai e na Argentina, onde começou a escrever. Já nos anos 60 ela se mudou para o Rio de Janeiro e por 22 anos consecutivos escreveu uma coluna na revista Cláudia. Carmen foi uma das primeiras a falar abertamente sobre mulheres no mercado de trabalho, sobre sexo e sobre divórcio.

“Histórias Híbridas de uma Senhora de Respeito” é uma autobiografia. Carmen usa sua vida pessoal como plano de fundo para debater questões referentes à mulher, relacionamentos com homens, trabalho e o que a sociedade espera dela. Já na introdução do livro ela nos explica o título: “histórias”, porque ela não gosta de “estórias”; “híbridas”, porque são experiências dela e dos outros; “senhora-de-respeito”, pois mulher ou é respeitável ou não existe.

Carmen possui uma fina ironia na escrita, critica sem perder a leveza. Ela faz questionamentos a respeito da relação do homem com o corpo da mulher, que é marcado pela presença de sangue (menstruação, perda da virgindade e parto). Ela também fala bastante da questão de a mulher sempre precisar aceitar as situações de desconforto com um sorriso no rosto, afinal “moça correta não faz escândalo”.

É bastante triste pensar que hoje em dia existem campanhas do tipo “não quer dizer não”. É preciso conscientizar homens a respeitarem a escolha das mulheres. Carmen já tinha falado sobre isso nos anos 80: “A vaidade masculina inventou que mulher, quando diz não, quer sim: então eles não nos conhecem por dentro e por fora, não percebem nossas manhas, não sabem muito melhor do que nós mesmas o que realmente desejamos? O lema da suficiência machista é uma frase que começa assim: ‘No fundo, o que toda mulher quer é…’”. (pág. 34).

Apenas um aspecto do livro não me agradou muito: a preocupação com peso. Essa é uma questão polêmica até mesmo dentro do feminismo, mas de forma alguma diminuiu minha admiração pelo livro. A parte disso, foi interessante acompanhar a leitura e pensar nas coisas que Carmen questionava nos anos 40, 50 e 60 e que eu questiono até os dias de hoje, como essa dualidade que a mulher ou é digna de respeito ou não, seguindo padrões impostos.

Fiz diversas marcações no livro e gostaria de transcrevê-las aqui nesta resenha, mas ainda assim seria impossível transmitir a importância desse livro. É muito gratificante ver que já na década de 60 havia uma mulher preocupada com a condição de si mesma e de outras perante a sociedade. É uma vergonha que em 2015 pouco tenha mudado, mas nunca devemos deixar de discutir essas questões.

Aqui reforço a ideia do #leiamulheres, de ler mais escritoras, de dar voz às mulheres, que situações passadas em livros sejam trazidas para debate. Pode ser que uma conversa não ajude mulheres em situação de perigo, mas é bom para conscientizar e alertar de certos problemas que talvez não sejam de conhecimento de todos.

O livro foi publicado em 1984 pela Brasiliense e hoje em dia não temos nenhuma reedição das obras dela. Diversas estudiosas do feminismo estão sendo lançadas e relançadas no Brasil, espero que aproveitem para publicar Carmen da Silva, porque com certeza a escrita dela tem muito a agregar ao feminismo e à literatura.

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