Gosma Rosa

Por: Pilar Bu | Em: 4 / setembro / 2022

Há um tempo atrás postei no meu instagram que tinha lido Mugre Rosa pra o Ursuliñas, um grupo de pesquisa potente e horizontal do qual participo. Então, acaba que não é novidade que eu já tinha lido o livro  no original e tinha ficado enlouquecida. Entretanto, logo quando postei a primeira vez sobre o livro, descobri que a Editora Moinhos (sim, eles arrasam) tinha lançado o livro em português em seu delicioso clube de leitura Tortilla Livros (nhac!)💜

Surtei e corri para adquirir o e-book tamanha a apreensão (e bem, eu leio enquanto o neném dorme, o que facilita). E caramba, como é bom revisitar esse livro e me apaixonar de novo!

Fernanda Trías tem uma escrita pulsante e perturbadora. Uma forma instigante de evidenciar os avessos e as relações humanas.

Numa realidade distópica, em que um vírus mortal que se espalha pelo ar (alou corona!), descama peles, se alastra e mata, encontramos nossa protagonista carregando um peso gigante nas costas.

Gosma Rosa, traduzido para o português pela querida amiga Ellen Maria Vasconcellos,, desfia as teias da memória, destrincha os meandros das muitas formas de maternidade e nos ensina que deixar ir é ato de amor e autocuidado.

Aliás, acho a tradução um caso de amor a parte. A sacada de traduzir mugre como gosma dá realmente essa sensação pegajosa que se alastra no corpo, na cidade, no corpo da narrativa e das personagens como algo que contamina tudo e não deixa ninguém sair ileso. 

O vento vermelho que arrasa, a gosma rosa que mata, a fuligem e o espessamento dos dias dá a tônica dos relatos para metáforas tão poderosas como o capitalismo enquanto máquina de moer gente que retroalimenta a precarização, corpos e carnes baratas que sustentam o sistema que as mata.

Ficção científica da mais alta qualidade, latina, escrita por mulher e que traz questões perturbadoras. Entre as luzes neon do hotel palácio é possível mergulhar nas muitas camadas de personagens que não são planas, mas cheias de meandros demasiadamente humanas. Destaco a importância de Delfa e Mauro para a construção dessa protagonista que, no fim das contas, eu só queria abraçar bem apertado mesmo.

Mugre Rosa, ou melhor, Gosma Rosa nos revela críticas importantes que versam sobre machismo, capacitismo, gordofobia, tensões entre mães e filhos, nos limites onde o mudo que se conhece acaba e é preciso reinventar a vida.

É um livro belíssimo. E a capa da edição em português está tão lírica, tão incrível, trazendo as metáforas do etéreo, do fugidio, dos esgarçamentos.. amei tudo. Com questionamentos existenciais direcionados ao leitor e que entrecortam a narrativa ao abrirem  os capítulos, Fernanda Trías nos convida dialoga sem com quem a li em busca de ouvido, cumplicidade, encontro.

Afinal, o que é a literatura senão um grande encontro entre o eu e o outro, não é mesmo? E mergulhar no íntimo humano, sem paraquedas , escavar as dores e olhar para o outro para além das superfícies morta é também jeito de traçar territórios empáticos onde a falta e a ausência borram os limites. 

Sigo por essa vereda e concluo que resta ainda um questionamento: é possível sobreviver a si mesmo?

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