Quando as árvores morrem

Por: Pilar Bu | Em: 14 / agosto / 2022

Quando as árvores morrem chegou para mim muito antes do seu lançamento e de se tornar esse sucesso estrondoso. Então, para contar essa história é preciso voltar um pouco no tempo. Conheci Tatiana Lazzarotto no lançamento de um livro, numa noite cheia de encantamentos, como acontece com frequência nos rolês paulistanos. Em poucos minutos já havíamos nos conectado e descoberto um montão de coisas em comum: o amor pela pesquisa, o desejo de estudar, a literatura e a vontade de ver mulheres potentes se encontrarem e brilharem muito.

Eu não sou de acreditar em destino, nem tampouco no acaso, o que é contraditório, mas eu sempre fico achando que existe uma deusa pagã conectando de alguma forma mulheres, não que isso seja determinante, mas parece um entrelaçamento que toma conta de tudo e faz a vida valer a pena, sabe? Nessa época meu pai já tinha morrido, o da Tati não. Dele, sabia que tinha ficado conhecido como o Papai Noel do Brasil e algumas histórias vinham de um jeito muito gostoso nas nossas muitas conversas vez em quando, porque Tati virou dessas amigas família que não vivo sem.

Quando ela ganhou o Proac para escrever o livro eu já entendia que ali se delineava uma jornada muito incrível. Não apenas porque conheço sua dedicação e o trabalho que coloca em tudo, mas também porque o que a Tati tinha para contar era de uma sensibilidade incrível. Não é fácil percorrer os escombros do luto, abrir as caixas da lembrança e deixar que o corpo seja tomado por uma experiência que é, ao mesmo tempo, necessária e dolorosa.

Existe um dever de memória para quem experimenta o luto, e o mais bonito é que Em Quando as árvores morrem esse desejo vem acompanhado de uma necessidade de permanência pulsante, uma tentativa de agarrar no ar qualquer lembrança que materialize quem se foi e que não nos deixe esquecer dos detalhes, dos sorrisos, das tessituras, do incansável trabalho físico e emocional que é viver mesmo que tenhamos perdido uma parte importante de nós mesmas. 

Quando as árvores morrem constrói a elaboração da ficção que constrói paredes sólidas, arma página após página pequenos relatos de uma casa que se ergue, de uma árvore imponente, uma família que partilha divertidas formas de se reconhecer enquanto lar, nos laços que nem mesmo o tempo é capaz de romper. Com ganchos incríveis ao final dos capítulos, metáforas poderosas para lidar a perda e com a falta, engenhosidades na construção da narrativa que me fizeram dar vários gritos de felicidade, Tatiana percorre tudo com maestria e nos leva a experimentar um certo tipo de segredo, de mistério que só conhece quem perdeu um pai.

É o que chamamos, carinhosamente, de clã, uma comunidade especial de mulheres que partilha suas dores, suas dificuldades, suas necessidades de existir, da qual eu, Tatiana, Gabi Soutello e outras mulheres envolvidas no projeto partilhamos. Estranhamente, sem qualquer intensão prévia, nos encontramos nas páginas do livro, matéria viscosa, verde, vermelha, marrom, que nos hermana tanto.

É impossível não se emocionar com os processos complexos dessa filha que, ao retornar à cidade de província e ter de lidar com a morte, faz um percurso que é para dentro de si nessa busca de se compreender quem se é a partir de uma perda tão significativa. Tudo ganha corpo quando a narrativa percorre os espaços, se apodera deles, tecendo, retecendo e destecendo esses tais fios da memória que a constituem enquanto filha e que não se esgarçam mesmo depois da morte.

Tatiana demonstra maturidade para lidar com temas sensíveis, que muitas vezes se amontoam nos cantos da alma, mas que aqui são expostos para dizer que sim, somos todos floresta! É um presente ao leitor que pode se deliciar com esse romance que toma parte da realidade para se transformar numa ficção pulsante, reconfortante e que, no meu caso, me atravessou de tal maneira que pude elaborar em mim uma série de coisas que ainda não tinha tomado nem corpo e nem palavra para a perda de meu pai. Saí desse livro atravessada, como poucas vezes saí atravessada dessa forma de uma leitura. No fim, acabei tendo a honra de escrever a quarta capa e compus para ela uma sinfonia que ouço todas as vezes que as raízes dessa obra incrível me chamam novamente à leitura. Nesse agosto que é sempre difícil de atravessar, impossível não chorar tudo de novo e agradecer à Tatiana Lazzarotto pela escrita de Quando as árvores morrem. Esse livro é semente e desejo de vida para que os nossos nunca deixem de existir em nós, para que o tempo não nos deixe esquecer dos seus rostos e vozes. Então que essa semente se alastre, Tatiana, e siga germinando em outros corações.

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