Sobre os ossos dos mortos

Por: Maurem Kayna | Em: 4 / maio / 2021

“[…] as pessoas são capazes de entender apenas aquilo que inventam para si mesmas e é com isso que se alimentam.”

Olga Tokarczuk publicou Sobre os Ossos dos Mortos em 2009, bem antes de ser a décima quinta mulher a receber um Nobel da Literatura, em 2018 (sempre lembrando que a marca atual é de 16 mulheres dentre os 117 agraciados ao longo da história do prêmio). Aqui no Brasil, a tradução saiu em 2019, pela Todavia.

O romance noir nos faz mergulhar no cotidiano da Sra. Dusheiko, uma engenheira polonesa que, por conta de moléstias não muito bem explicadas, abandonou a profissão que lhe permitia viajar o mundo para se recolher a um povoado próximo da fronteira Tcheca, dando aulas de inglês para crianças e cuidando das residências que ficavam desabitadas no inverno. A neve cobre tudo, os deslocamentos são verdadeiros desafios, e cedo na narrativa a morte acidental de um caçador inicia uma sequência acontecimentos insólitos.

Ela se apoia na astrologia para interpretar e tentar explicar os acontecimentos, cultiva a amizade de um jovem tradutor de Blake e dedica grande e infrutífero esforço para denunciar / criticar a caça, que é um hábito dos moradores locais.

A leitura flui e transmite vividamente tanto a hostilidade do ambiente como as sensações febris da protagonista. Dusheiko tem manias, como a de cunhar apelidos associados às características físicas ou comportamentais das pessoas ao invés de chama-las por seus nomes ou enterrar os restos dos animais que encontra pela floresta e não conseguiram escapar aos caçados ou predadores. Ela desperta, talvez em igual medida, simpatia e irritação. Muito mais que um ativismo contra a crueldade para com os animais, as reflexões da protagonista nos fazem olhar para nosso umbigo, hipocrisia, desejos e manias.

Sobre os ossos dos mortos entra para aquela seleta lista de livros que, mesmo abordando assuntos densos, nos faz navegar com leveza pelas páginas e não deixa aquele peso no peito que o desencanto com a humanidade pode despertar. Há no desfecho, senão esperança propriamente, uma claridade que conforta.

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