Uma morte muito suave

Por: Fabrina Martinez | Em: 14 / abril / 2020

Simone de Beauvoir escreveu dois livros sobre sua experiência com a morte. Em Uma morte muito suave, a narrativa está centrada nos dias finais de Françoise Beauvoir, sua mãe. O outro, A cerimônia do adeus, é sobre a morte de seu companheiro, Jean Paul-Sartre. Uma morte muito muito suave é um livro raro por muitas coisas mas, principalmente, por ser um dos únicos (senão o único) em que uma mulher fala sobre a morte de sua própria mãe e o luto desse momento. Ainda que não aborde profundamente o luto da perda e sim o luto precoce, aquele que aparece diante da possibilidade da perda, é uma obra essencial. Contudo, devo avisá-las que essa última frase sobre luto precoce pode fazer nenhum sentido já que o livro foi editado após a morte de Françoise, portanto, sintam-se livres para ignorá-la.

Cá estamos nós em 2020 e no meio de uma pandemia precisando defender a necessidade de falar sobre morte e luto. Uma morte muito suave foi publicado pela primeira vez em 1964 e narra a internação de Françoise para cuidar de uma fratura no fêmur após uma queda em casa porém, semanas depois, ela morre em decorrência de um câncer. O relato de Simone é um alento para quem, como eu e talvez você, já tenha passado pela morte concreta da mãe e teve que se deparar com a morte de sua primeira casa, sua origem e identidade.

Nas 106 páginas do livro, encontramos a filósofa, a feminista e a filha. Ela fala sobre a morte como o que ela é, tão somente a morte; sobre as dores da mãe que teve sua tanto a identidade quanto à existência reduzidas pelo machismo; e apresenta-se como alguém que, para própria surpresa, sente e muito a morte da própria mãe. Em algumas pesquisas, encontrei resenhas que falam que o livro é desnecessário por causar dor em quem lê tanto quanto em quem escreveu. Para a surpresa de ninguém também há quem associe o tema central a mórbido. Ignore-as. Ler a experiência de Simone com a perda da mãe é uma conversa franca e honesta sobre vida e morte que tanto nos falta.

O relato é quase um diário e os momentos em que se aprofunda na relação que Françoise teve com o mundo, com a maternidade e consigo são pequenos ensaios sobre o ser mulher, ser filha e ser mãe. Ela ainda aborda temas que desenvolveu em outras obras como corpo, existência e velhice. O livro vale muito pela experiência de entender as fragilidades de Simone diante da perda de sua origem e, principalmente, por ser um relato honesto sobre a espera e a expectativa diante da morte anunciada de quem se ama, mesmo que não se saiba.

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