Ela queria amar, mas estava armada

Por: Michelle Henriques | Em: 25 / novembro / 2019

Fazia tempo que um livro não me engava tanto pelo título. Ela queria amar, mas estava armada é o nono livro de ficção da Liliane Prata, o primeiro de contos e foi publicado pela Editora Instante. Na Flip deste ano ela lançou O mundo que habita em nós, que eu amei e comentei sobre ele em meu blog pessoal.

Como eu conhecia a escrita da Liliane, já sabia que gostaria desse, mas como disse, o título me enganou completamente. Este é um livro de contos, e como entrega o nome, eles versam sobre o amor e relacionamentos entre as pessoas. Achei que seria algo leve, e até mesmo “bobo”, mas não, é um soco no estômago atrás do outro.

Tive a oportunidade de participar da mesa de lançamento deste livro em São Paulo, e lá conversamos sobre o odioso termo literatura feminina. Há uma ideia de que todas as mulheres escrevem sobre os mesmos temas. Todos os sentimentos de amor, cuidado e carinho são ditos como femininos, logo, fracos. Eu mesma sempre me distanciei deles, sempre rejeitei essa dita fraqueza, mas o livro me fez mudar de percepção. O amor importa sim, o amor acontece, mas não necessariamente como nos livros água com açúcar.

Já adianto que a maioria dos relacionamentos aqui descritos acontecem entre homens e mulheres, mas são sentimentos universais. Uma mulher lésbica pode se identificar com algumas das situações que a autora narra, bem como um homem gay. Liliane explora os relacionamentos de forma bastante crua, falando não só do amor romântico, mas também da maternidade, dos relacionamentos abusivos e de vários assuntos que cercam a vida das mulheres.

Ela queria amar, mas estava armada é formado por 20 contos, e o que abre leva o título do livro. Ele é um dos mais complexos, pois começa com a seguinte fala da personagem: “Amor, eu gosto que você se sinta inseguro.” Logo de cara somos jogados em um texto sobre amar demais, sobre insegurança, sobre não se deixar viver algo por medo. Este conto é quase uma novela, pois logo após esse diálogo somos convidados a conhecer um pouco mais da vida dela, e entendemos um pouco da angústia de Luiza.

Um conto que me chamou bastante atenção foi Ninfeta. Nele temos uma história infelizmente bastante comum. Uma jovem sofre abusos do padastro e não conta com o apoio da mãe. Ela sai de casa e acaba nos braços de um escritor escroto e de seus amigos igualmente péssimos. Ela procura amor neles e também nos braços de outro escritor – este decente – porém comprometido.

Stand by me é um conto interessante. Nele a mulher que não é uma pessoa tão boa. Ela escreve um e-mail para o ex- companheiro falando como ela é, e que não vai mudar. Logo em seguida temos O Contrato, que é uma espécie de respiro bem no meio do livro. Em formato de peça teatral, um casal discute de forma absurda todas as coisas que mudarão após firmarem um relacionamento. Coisas como bloquear no facebook os outros, não rir muito alto perto de amigos homens e etc. É absurdo porque também é real.

Lavínia é um dos contos mais sensíveis. A protagonista não está feliz em ser mãe, essa é a primeira informação que temos dela. Aos poucos descobrimos que ela foi contra a família para viver com o homem que ama, acompanhamos seu trabalho num sebo e sua relação com os amigos.

Outro conto que destaco é Cheiro de café queimado, que trata de um tipo bastante perigoso de relacionamento abusivo: aquele disfarçado de sensibilidade. O companheiro da protagonista diz que a ama demais, que fica nervoso porque sente demais as coisas. Usa esse sentimento exacerbado como desculpa para machucá-la, deixá-la angustiada e tensa o tempo todo.

A leitura da maioria dos contos é angustiante, seja pela identificação, como por nos lembrarmos de histórias de pessoas próximas, que passaram por aquilo tudo. Mas no final fica a sensação de que tudo vai dar certo. Os contos de Liliane te estapeiam o rosto, mas depois dão um abraço e asseguram que vai ficar tudo bem.

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